As Cegonhas

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Na última casa de uma pequena aldeia, as cegonhas haviam construído um ninho, e a mamãe cegonha ficava sentada dentro do ninho, com seus quatro filhinhos, que esticavam os seus pescocinhos e levantavam seus biquinhos negros, os quais ainda não haviam ficado vermelhos como os dos pássaros pais. Um pouco mais a distância, na ponta do telhado, estava o pai das jovens cegonhas, todo ereto e duro; ele não gostava de ficar ocioso, e encolhia uma perna, e ficava em cima da outra, parado desse jeito, que parecia quase como se ele tivesse sido esculpido em madeira. “Você precisa parecer muito grande,” pensava ele, “para a minha esposa confiar num sentinela que protege o seu ninho. Eles não sabem que eu sou marido dela, eles acham que eu fui mandado ficar aqui, o que aliás é muito chique” e assim ele continuava de pé sobre uma perna.

Na rua abaixo estavam algumas crianças brincando, e quando elas avistaram as cegonhas, um dos garotos, o mais ousado dentre eles, começou a cantar uma canção que falava delas, e em pouco tempo os demais se juntaram a ele. Estes são os versos da canção, mas cada um deles cantava apenas o que ele conseguia se lembrar da canção e do seu próprio jeito.

“Cegonha, cegonha, voe para longe
Não fique com uma perna só, te imploro
Veja que a sua esposa está em seu ninho
Descansando com os seus filhinhos
Um deles vai ser degolado
E o outro frito na panela
Um terceiro vai morrer com um tiro
E o seu irmãozinho vai morrer assado”

“Escute só o que aqueles garotos estão cantando,” disseram os filhotes de cegonha, “eles estão dizendo que vamos ser degolados e depois assados.”

“Não se preocupem com o que eles estão dizendo,” disse a mãe deles. “Eles não podem nos fazer nenhum mal.”

Mas os garotos continuavam cantando e apontando para as cegonhas, enquanto zombavam delas, com exceção de um dos garotos que se chamava Pedro; ele dizia: “Que coisa feia ficar zombando dos animais,” e não queria brincar com eles de jeito nenhum. A mamãe cegonha consolava os seus pequeninos, e falava para que eles não se preocupassem. “Vejam,” disse ela, “como o pai de vocês está tranquilo, embora ele esteja em cima de apenas uma perna,”

“Mas nós estamos muito assustados,” disse o filhote de cegonha, e encolhiam suas cabeças para dentro de seus ninhos.

No dia seguinte, quando as crianças estavam brincando juntas, e viam as cegonhas, elas cantavam a canção novamente:

“Uma vai ser degolada
E a outra assada.”

“Nós vamos ser degoladas e assadas?” perguntavam os filhotes de cegonha.

“Não, é claro que não,” disse a mãe. “Eu vou ensinar vocês a voarem, e quando vocês tiverem aprendido, nós voaremos sobre as pradarias, e faremos uma visita aos sapos, que farão reverências para nós dentro da água, e gritarão: “Croc, croc”, e então nós os comeremos e nos divertiremos muito.”

“Mas, e depois?” perguntavam os filhotes de cegonha.

“E depois,” respondeu a mãe deles, “todas as cegonhas desta região formarão um bando, e passarão juntas os seus dias de outono, de modo que é muito importante para que cada um saiba voar corretamente. Se não fizerem isso, o general vai pegá-los pelos bicos e vai matá-los. Portanto, vocês devem se esforçar para aprender, até que estejam prontos para o início dos exercícios.”

“Então poderemos ser mortos depois de tudo, como dizem os garotos, e ouçam! eles voltaram a cantar.”

“Ouçam a mim, não a eles, “disse a mamãe cegonha. “Depois que a grande inspeção das tropas tiver terminada, nós voaremos para longe, para países quentes e longe daqui, onde ficam as montanhas e as florestas. Para o Egito, onde veremos casas construídas de pedras com três cantos, com topos pontudos que quase chegam às nuvens. Elas são chamadas de pirâmides, e são mais velhas do que uma cegonha é capaz de imaginar, e nesse país, existe um rio que transborda em suas margens, e depois volta, sem deixar nada para trás exceto lodo, lá poderemos caminhar por todo lado, e comeremos sapos até nos fartarmos.”

“Oba, oba!”, gritavam as pequenas cegonhas.

“Sim, lá é um lugar delicioso, e não há nada para fazer o dia todo, além de comer, e embora estejamos tão bem lá nesse lugar, aqui neste país não haverá uma única folha verde sobre as árvores, e o tempo será tão frio, que as nuvens irão congelar, e cairão na terra como se fossem pequenos fiapos de panos brancos.” A cegonha falava da neve, mas ela não conseguia se expressar de outra maneira.

“Será que os garotos impertinentes irão também congelar e cair em pedaços?”, perguntaram os filhotes de cegonha.

“Não, eles não irão congelar e cair em pedaços,” disse a mãe, “mas eles sentirão muito frio, e serão obrigados a ficarem sentados o dia todo num quarto escuro e sombrio, ao passo que nós estaremos voando sobre terras estrangeiras, onde haverá flores desabrochando e sol quente.”

O tempo passou, e os filhotes de cegonha cresceram tanto que eles conseguiam ficar de pé dentro do ninho e olhavam ao redor. Todos os dias, o pai deles trazia para eles deliciosos sapos, pequenas serpentes, e todos os tipos de guloseimas que as cegonhas gostavam, e que ele conseguia encontrar. E então, como era engraçado ver os truques que ele fazia para divertí-los. Ele colocava a cabeça totalmente arredondada sobre a sua cauda, e fazia barulho com seu bico, parecendo que era um chocalho, e depois ele contava histórias para os filhinhos que falavam de pântanos e brejos.

“Venham,” disse a mamãe um dia, “agora vocês precisam aprender a voar”. Todos os quatro filhotes foram obrigados a sair do topo do telhado. Oh, como eles cambaleavam a princípio, e eram forçados a ficar balançando suas asas, ou poderiam cair no chão lá embaixo.

“Olhem para mim,” dizia a mamãe, “vocês devem manter as cabeças deste jeito, e colocar os pés assim. Um, dois, um, dois – é isso aí. Agora vocês poderão tomar conta de si mesmos no mundo.

Então ela voou uma pequena distância como demonstração, e os filhotes ficavam pulando atrás dela, mas caíram como se fossem gorduchos, pois os seus corpos eram ainda muito pesados.

“Eu não quero voar,” disse um dos filhotes da cegonha, e correu direto para o seu ninho. “Eu não dou importância para esses negócios de viajar para países quentes.”

“Você gostaria de ficar aqui e congelar quando o inverno chegar?” disse a mãe dele, “ou até que os garotos venham aqui para matá-lo degolado, ou assá-lo? – Bem, então vou chamá-los.”

“Oh, não, não,” disse o filhote de cegonha, saltando do telhado junto com os outros, e agora eles foram todos atenciosos, e já no terceiro dia, conseguiram voar um pouquinho. Então, eles começaram a imaginar que eles poderiam voar alto, e então, tentaram fazer isso, e descansavam suas asas, mas logo perceberam que estavam caindo, e tinham que bater suas asas o mais rápido que podiam. Os garotos saíram outra vez na rua cantando a canção deles:

“Cegonha, cegonha, voe para longe.”

“Será que nós poderíamos voar até lá embaixo, e furar os olhos dele?”, perguntavam os filhotes de cegonha.

“Não, deixe-os em paz”, disse a mamãe cegonha. “Ouçam-me agora, isto é muito mais importante. Vamos lá. Um, dois, três. Agora para a direita. Um, dois, três. Agora para a esquerda em volta da chaminé. E tudo isso era muito divertido. Essa última batida de asas foi tão fácil e graciosa, que eu darei permissão a vocês para voarem comigo amanhã nos pântanos. Lá vocês encontrarão um monte de cegonhas muitos superiores junto com suas famílias, e eu espero que vocês mostrem a elas que meus filhos são mais bem educados do que qualquer um que possa estar presente lá. Vocês devem desfilar com orgulho – vocês farão uma boa apresentação e serão muito respeitados.”

“Mas nós não podemos punir aqueles garotos mau educados?”, perguntavam os filhotes de cegonha.

“Não, deixe que gritem o quanto quiserem. Você pode voar para longe deles tão alto quanto as nuvens, e irão para o país das pirâmides quando eles estiverem congelando aqui, e não haverá uma única folha verde nas árvores ou sequer uma maçã para eles comerem”.

“Nós nos vingaremos”, sussurravam os filhotes de cegonha uns para os outros, enquanto se juntavam novamente para retornar aos exercícios.

Todos os garotos da rua que cantavam a canção zombando das cegonhas, apenas um estava determinado a continuar fazendo isso e era aquele que havia começado a canção por primeiro. Todavia ele era um garotinho que não tinha mais que seis anos de idade. Para os filhotes de cegonha ele parecia ter mais de cem anos, porque ele era muito maior que o pai e a mãe deles. Para sermos claros, não se espera que as cegonhas saibam quantos anos tenham as crianças e as pessoas adultas. Então, eles decidiram se vingar em cima deste garoto, porque ele começou a canção por primeiro e continuava fazendo isso. Os filhotes de cegonha ficaram muito bravos, e ficavam piores quanto mais velhos cresciam, então, a mãe deles finalmente obrigou que eles prometessem que eles seriam vingados, mas não até o dia da partida deles.

“Primeiro precisaremos verificar, como vocês irão se comportar na grande inspeção das tropas,” disse ela, “se vocês tiverem maus resultados ali, o general irá jogar vocês pelo bico, e vocês morrerão, como os garotos disseram, embora não exatamente da mesma maneira. Então, teremos de esperar para ver.”

“Você verá,” disseram os filhotes de cegonha, e então eles se esforçaram ao máximo e praticavam tão bem todos os dias, que, finalmente, era um prazer muito grande vê-los voar com tanta leveza e beleza. Assim que o outono chegou, todas as cegonhas começaram a se reunir em grupos antes de partirem para os países quentes durante o inverno. Então, a inspeção de tropa começou. Eles voaram sobre florestas e aldeias para mostrar o que eles sabiam fazer, porque eles tinham uma grande viagem pela frente. As jovens cegonhas fizeram a sua parte tão bem que elas receberam uma insígnia de honra, com sapos e serpentes de presente. Estes presentes eram a parte mais interessante da questão, pois eles podiam comer os sapos e as serpentes, e isso eles fizeram muito rapidamente.

“Agora nós vamos ter a nossa vingança,” eles gritaram.

“Sim, com certeza,” exclamou a mamãe cegonha. “Estive pensando na melhor maneira de nos vingarmos. Eu conheço a lagoa onde todos os garotinhos gostam de brincar, esperando até que as cegonhas apareçam para levá-las até seus pais. Os bebezinhos mais lindos ficam lá sonhando mais docemente do que jamais sonharão nos tempos futuros. Todos os pais ficam felizes com seus filhos pequenos, e as crianças ficam tão encantadas com um pequeno irmão ou irmã. Então, nós voaremos até a lagoa e levaremos um pequeno bebê para cada uma das crianças que não cantarem aquela canção malcriada que menospreza as cegonhas.”

“Mas o garoto mal comportado, que começou a cantar a canção por primeiro, o que faremos com ele? gritaram os filhotes de cegonha.

“Fica ali na lagoa um bebezinho sem vida que sonhou com a própria morte,” disse a mãe. “Nós o levaremos para o garoto mal comportado, e ele irá chorar porque nós trouxemos pare ele um irmãozinho sem vida. Mas vocês não esqueceram do bom garoto que disse que era feio zombar dos animais: nós levaremos para ele um lindo irmãozinho e uma linda irmãzinha também, porque ele é um bom garoto. O nome dele é Pedro, e vocês serão chamados de Pedro no futuro.”

Então, todos eles fizeram o que a mãe deles havia planejado, e daquele dia em diante, até os dias de hoje, todas as cegonhas são chamadas de Pedro.

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